Autor Victor Hugo Cardoso - 10/03/2015
TÍTULO CÉLULAS-TRONCO E O FUTURO DA ODONTOLOGIA

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Alguns esqueletos de soldados do Império Romano conservam, em suas mandíbulas, pregos de ferro incrustados no local onde um dia existiram dentes. A imagem usada em aulas e palestras pela cirurgiã-dentista Andrea Mantesso, professora da disciplina de patologia bucal da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, desperta duas reflexões:
1. Há muito, mas muito tempo, o homem já buscava saídas para suprir a ausência de dentes na arcada dentária;
2. Ao compararmos aquela solução rudimentar com os implantes atuais, percebemos que, mesmo 2 mil anos depois e com um tremendo avanço tecnológico, ainda é preciso recorrer a metais e outros materiais sintéticos para repor um dente perdido.
 
É aí que aparecem as células-tronco na tentativa de assumir um papel histórico.
"Se daqui a alguns anos confirmarmos sua segurança e eficácia, teremos uma quebra de paradigma na odontologia, porque elas poderão oferecer um substituto biológico à dentição", contextualiza Andrea.
 
O biodente, que já existe dentro dos laboratórios, é um dente biológico e vital, com semelhança bem próxima ao dente humano. Ele seria uma terceira dentição e não mais uma prótese. Aliás, o foco é exatamente esse, que o biodente seja exatamente igual ao humano. Cientistas ingleses, americanos, japoneses e brasileiros vem manipulando esse tipo de célula, extraída da boca ou de outras regiões do corpo, como medula óssea e tecido gorduroso, com esse horizonte em mente.
E olha que já começaram em fase clínica, ou seja, com seres humanos.
 
Uma das linhas de pesquisa, comandada pelo professor Paul Sharpe, do King's College London, se baseia no conceito de germe dental. No método empregado são reunidas duas populações distintas de células-tronco em uma gota de colágeno que será a base. As epiteliais vão formar mais tarde o esmalte dentário, e as mesenquimais, as outras estruturas, caso da polpa e da dentina.
A ideia é que essa semente, o germe dental, seja implantada no berço do antigo dente e, ali, recebendo nutrientes e estímulos locais irá dar origem não só ao novo dente mas também ao osso e ao ligamento sob a gengiva, sendo assim um substituto completo.
Eventuais ajustes na superfície poderiam ser feitos pelo dentista.
 
Outra vertente é a fabricação prévia do dente. "Organizamos as células em laboratório em um ambiente que mimetiza as condições para o desenvolvimento dentário. Elas são então colocadas em um arcabouço de polímeros a fim de formar o novo dente, que depois de pronto, seria implantado", relata o cirurgião-dentista Silvio Dualibi, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo.
Qual o caminho mais viável e próximo da realidade?
Ainda é difícil arriscar um palpite.
 
Fato é que o potencial das células-tronco para construir uma terceira dentição - e aposentar de vez a dentadura e os implantes tradicionais - vem cercado de desafios.
A professora Andrea, cuja equipe investiga as propriedades dessas células, elenca algumas perguntas que pedem respostas: "Ainda não sabemos quais as melhores fontes de células-tronco para fins odontológicos, qual o número necessário delas, qual a combinação ideal entre as epiteliais e mesenquimais...".
Também é necessário ter certeza de que aquela população de células está estabilizada para evitar riscos como o surgimento de um tumor".
 
O pesquisador Paul Sharpe afirma que por ora não se tem a fórmula para fazer com que as células produzam um molar ou pré-molar. Mas algumas técnicas estão em estudo com o intuito de evitar que um canino nasça no lugar errado.
"Já se avalia a inserção de uma combinação de moléculas no germe para sinalizar que tipo de dente ele deveria se virar", afirma a pesquisadora Andrea. Acontece que tais substâncias estão sendo mapeadas, e só com todos os dados apurados vai dar pra dizer se a estratégia controlará efetivamente a vocação da semente dental.
 
Antes que as células-tronco rendam biodentes, elas poderão vir a mudar alguns procedimentos odontológicos, como resumidamente é descrito a seguir:
 
√ Tratamento de Canal: hoje o dentista abre o dente, faz a limpeza e preenche o local com material para obturação. As células-tronco seriam acopladas no lugar desse material e se desenvolveriam ali. O dente continuaria, assim, a ser uma entidade viva.
 
√ Implante acelerado: a implantodontia evoluiu muitos nos últimos anos, mas há quem veja nas tais células-tronco potencial para aperfeiçoar o procedimento. Uma ideia é usá-las no pedaço entre o implante e o osso com o objetivo de acelerar a sua adesão.
 
√ Tratamento da Periodontite: como sabemos essa é uma patologia resultante da ação de bactérias que podem culminar na destruição do periodonto. Como as células-tronco agiriam aqui? Elas atuariam na regeneração do tecido danificado.
 
"Não há no momento terapias com células padronizadas, muito menos aprovadas para essas finalidades no Brasil", alerta Dualibi.
 
As células-tronco vêm com tudo, mas precisamos ter paciência para vê-las em ação, e isso vai depender do aval da ciência.
Uma certeza podemos ter, os anos vindouros trarão muitas e grandes novidades no âmbito da odontologia.
 
 
Fonte: Saúde, edição 377
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