Autor Victor Hugo Cardoso - 10/03/2015
TÍTULO PRINCIPAIS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS COM ANTIBIÓTICOS

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Os agentes antimicrobianos utilizados no tratamento de infecções odontológicas são normalmente utilizados por período de tempo maior, quando comparados aos outros fármacos utilizados na clínica odontológica, fato esse que pode contribuir para o surgimento de interações medicamentosas.

Os principais mecanismos de interação que ocorrem com este grupo de fármacos estão relacionados com a competitividade destes pela ligação às proteínas plasmáticas (sendo os fármacos que apresentam alto grau de ligação os mais afetados) e a capacidade de alguns fármacos de inibir as enzimas do citocromo P450. Ambos os mecanismos apresentam como consequência o aumento dos níveis plasmáticos destes fármacos. Para essas interações, especial atenção deve ser dada aos  fármacos que apresentam baixo índice terapêutico, uma vez que pequenos aumentos na sua concentração plasmática podem causar sérios prejuízos ao indivíduo.

 

Metronidazol com álcool

Em situações em que o CD prescreve o metronidazol, especial atenção deve ser dada aos pacientes usuários crônicos de álcool. O metronidazol é responsável por inibir a atividade da acetaldeído desidrogenase, enzima responsável pela metabolização do álcool. A administração concomitante de metronidazol com o álcool promove o acúmulo de acetaldeído no sangue do paciente, podendo produzir, no organismo, uma reação conhecida como a reação tipo dissulfiram, que é caracterizada por sintomas, como: rubor, suor, palpitações, dispneia, hiperventilação, aumento da frequência cardíaca, falha na pressão sanguínea, náusea, vômito e sonolência. Existe apenas um relato na literatura em que a provável causa de morte foi relacionada a esta associação entre metronidazol e álcool, sendo que ela provocou disritmia cardíaca em decorrência do acúmulo de acetaldeído no sangue.

 

Metronidazol com lítio

Nas situações em que o CD prescreve o metronidazol a um paciente que está sob tratamento com sais de lítio, especial atenção deve ser dada em relação à concentração plasmática desse fármaco, devido ao seu baixo índice terapêutico. Os níveis sanguíneos regulares de lítio devem estar entre 0,8 a 1,5 mEq/L. Níveis sanguíneos de 1,5 a 2 mEq/L ou maiores são considerados tóxicos e podem causar letargia, fraqueza muscular, tremores finos, disfunção renal e colapso circulatório.

O provável mecanismo de interação para essa associação é decorrente da redução na excreção renal do lítio.

 

Eritromicina, claritromicina ou tetraciclina com digoxina ou digitoxina

Digoxina e digitoxina são fármacos utilizados para o tratamento de doença cardíaca congestiva e certos tipos de arritmias cardíacas. A microbiota intestinal bacteriana (Eubacterium lentum) promove uma redução na biodisponibilidade oral dos digitálicos. Quando eritromicina, claritromicina e tetraciclina são administrados, promovem uma diminuição da microbiota intestinal, resultando em aumento dos níveis sanguíneos de digoxina, predispondo o paciente aos seus efeitos tóxicos, tais como distúrbios  da visão e arritmias cardíacas.

Para a claritromicina, são conhecidos outros dois mecanismos prováveis. A digoxina é excretada predominantemente, pela via renal, sendo este processo mediado por um transportador chamado de glicoproteína P. É provável que a claritromicina diminua a excreção renal de digoxina, por inibir a atividade desse transportador. Além disso, a claritromicina é um inibidor enzimático do citocromo P450, podendo essa associação acarretar um aumento da concentração plasmática de digoxina.

 

Eritromicina ou claritromicina com cisaprida, midazolam ou triazolam

O citocromo P450 é formado por um conjunto de enzimas (isoenzimas), que são responsáveis pela metabolização de um grande número de fármacos. A isoenzima CYP3A4 representa 60% das enzimas do fígado, responsáveis pela metabolização dos fármacos. Eritromicina e claritromicina são potentes inibidores da CYP3A4, podendo ocasionar um aumento da concentração sanguínea e toxicidade de fármacos que utilizam essa mesma via de metabolização. Existem relatos de arritmia ventricular severa e, até fatais, provocadas pela administração da cisaprida (utilizada para o tratamento de refluxo esofágico) com estes inibidores do citrocromo P450.

O midazolam e o triazolam são fármacos utilizados como agentes sedativos e ansiolíticos orais em Odontologia. Em um estudo com 12 voluntários, foi verificado que a administração de 500mg de eritromicina três vezes ao dia por 6 dias com 15 mg de midazolam via oral no sexto dia e 0,05 mg/kg por via intravenosa no sétimo dia, quadruplicou a quantidade absorvida e reduziu o clearance renal do midazolam em 54%, o que contribui para um aumento significativo do efeito desses ansiolíticos. Em situações nas quais não é possível evitar o uso concomitante desses fármacos, durante o tratamento odontológico, é necessário que a dose de midazolam seja reduzida de 50% a 75%. Felizmente, os benzodiazepínicos, quando administrados por via oral, possuem alto índice terapêutico quando comparados, às outras classes de fármacos sedativos e ansiolíticos. Assim, um aumento de até 70 vezes na dose usual não resulta em fatalidades.

 

Eritromicina ou tetraciclinas com teofilina

Teofilina é um fármaco broncodilatador utilizado no tratamento da asma brônquica. O aumento da concentração sérica de teofilina é observado quando esta é associada às tetraciclinas. A administração de eritromicina associada a uma dose oral de teofilina promove aumento do tempo de meia-vida de eliminação e redução do clearance renal da teofilina, elevando sua concentração plasmática. O ajuste de dose da teofilina é recomendado para pacientes que fazem uso concomitante destes fármacos, visando evitar efeitos tóxicos, uma vez que ele apresenta baixo índice terapêutico.

 

Tetraciclina, amoxicilina e ampicilina com anticoagulantes orais

Varfarina e dicumarol são fármacos anticoagulantes orais, que apresentam baixo índice terapêutico. Seu efeito ocorre devido ao antagonismo competitivo com a vitamina K, importante fator na coagulação sanguínea.

Foi observado que a administração de tetraciclinas, ampicilina ou amoxicilina à pacientes que faziam uso de anticoagulantes orais promoveu aumento do tempo de protrombina e de sangramento nestes pacientes.

Claritromicina e levofloxacino também interagem com a varfarina promovendo aumento do efeito anticoagulante. O provável mecanismo de ação atribuído a essa interação é a inibição das enzimas do citocromo P450, responsáveis pela metabolização da varfarina.

 

Antibióticos com contraceptivos orais

A pílula anticoncepcional é formada de estrógenos semissintéticos, como o etinilestradiol, e progesterona semissintética, como o levonorgestrel. Da mesma forma que os outros fármacos, os contraceptivos orais não são fármacos 100% efetivos, mas, se utilizados corretamente, diminuem o risco de gravidez para menos de 1%.

Estudos clínicos demonstraram que a rifampicina diminui os níveis sanguíneos do etinilestradiol e da progesterona. A rifampicina é um potente indutor das enzimas do citocromo P450 presentes no fígado, o que ocasiona em aumento do metabolismo de alguns fármacos, como os anticoncepcionais.

Dados da literatura demonstraram que os níveis plasmáticos de contraceptivos orais esteroides não são modificados com a administração concomitante dos antibióticos, como: ampicilina, ciprofloxacino, claritromicina, doxiciclina, metronidazol, ofloxacina, roxitromicina e tetraciclina. No entanto, alguns autores alertam que tetraciclina, metronidazol, ampicilina e eritromicina podem reduzir a eficácia do contraceptivo oral, aumentando o risco de gravidez.

Alguns mecanismos têm sido propostos para explicar a possibilidade de diminuição da eficácia do anticoncepcional com o uso dos antibióticos. Essas hipóteses incluem diminuição da circulação entero-hepática devido a uma redução na microbiota intestinal bacteriana, responsável pela manutenção dos níveis plasmáticos constantes do contraceptivo oral e o aumento da sua degradação enzimática no fígado.

 

 

Antibióticos com anti-inflamatórios

Em odontologia, a amoxicilina é considerada o antimicrobiano de primeira escolha para diversos tipos de infecções, sendo comum, em Odontologia, seu uso associado aos AINES. Um estudo realizado com voluntários sadios verificou que a administração de 100mg de diclofenaco sódico por via oral reduziu a biodisponibilidade oral de 2g de amoxicilina, devido à redução na absorção e aumentou em 18% a excreção renal da amoxicilina.

A azitromicina tem sido uma boa opção para uso odontológico, devido a características, como amplo espectro de ação, baixa incidência de efeitos colaterais e boa penetração tecidual. A administração de piroxicam 20mg por dia, associada à azitromicina 500mg por dia, durante 7 dias, demonstrou redução na distribuição de piroxicam na gengiva e no osso alveolar. Embora em Odontologia seja relativamente comum a associação entre esses

dois grupos de fármacos, há escassez de estudo na literatura que avalie as interações medicamentosas que possam ocorrer.

 

Penicilinas ou tetraciclinas com metotrexato

As penicilinas e as tetraciclinas são responsáveis pelo aumento da concentração plasmática do metotrexato. Os prováveis mecanismos dessa interação são devidos ao deslocamento do metotrexato da ligação à proteína plasmática, da diminuição do metabolismo hepático e da diminuição da excreção renal.

Essa interação é considerada prejudicial ao organismo e deve ser evitada, principalmente em pacientes idosos ou naqueles que apresentam diminuição da função renal.

 

Clindamicina com gentamicina

A clindamicina possui uso odontológico, quando utilizada em dose oral única, na profilaxia da endocardite bacteriana para pacientes que são alérgicos às penicilinas. A associação de clindamicina com gentamicina pode promover comprometimento da função renal do paciente. No entanto, é pouco provável que esse efeito ocorra, quando a clindamicina é utilizada em dose única.

 

Antibióticos bactericidas com antibióticos bacteriostáticos

Na realidade, há poucos trabalhos que demonstram que antibióticos bacteriostáticos antagonizam o efeito de antibióticos bactericidas. Em Odontologia, não há razão para essa associação no tratamento de infecções odontogênicas. Além disso, esse tipo de combinação poderá produzir uma resposta mais tóxica no organismo, quando comparada à monoterapia antimicrobiana.

 

Discussão

A gravidade das interações relatadas nesta revisão de literatura pode ser considerada como clinicamente relevante ou não, dependendo de fatores, como: a dose do medicamento prescrito pelo CD, a dose do medicamento utilizado rotineiramente pelo paciente, a duração do tratamento e o seu estado geral de saúde.

 A maioria dos analgésicos mais comumente empregados em Odontologia são considerados seguros, quando utilizados em posologias apropriadas. No entanto, quando o indivíduo faz uso rotineiro de medicamentos, interações entre os fármacos podem ocorrer, podendo promover efeitos tóxicos. Além das associações entre fármacos, atenção especial deve ser dada à associação do paracetamol com álcool devido ao potencial hepatotóxico desta associação.

Algumas interações podem levar ao surgimento de eventos adversos sérios, como a associação de Aines com sais de lítio, varfarina, heparina e metotrexato, que acarretam um aumento da concentração plasmática desses fármacos. Com a finalidade de evitar esses efeitos, os Aines devem ser prescritos, por curta duração de tempo, para os pacientes que fazem uso desses medicamentos, e, quando possível, essas associações devem ser evitadas.

Em certas situações, as interações podem comprometer a eficácia clínica do medicamento, como, por exemplo, em pacientes que fazem terapia com fármacos anti-hipertensivos, o emprego de Aines pode levar à redução na eficácia do tratamento da hipertensão.

A utilização de Aines por um período acima de uma semana pode interferir com o efeito dos fármacos anti-hipertensivos. Assim, em pacientes que fazem uso de iECA, betabloqueadores e/ou diuréticos e necessitam do tratamento com Aines, devem fazê-lo por, no máximo, 4 dias. Em idosos portadores de insuficiência cardíaca congestiva ou que possuam baixas concentrações de renina, o uso de paracetamol ou dipirona é mais apropriado.

Os antimicrobianos também são fármacos relativamente seguros na prática odontológica. Entretanto, fármacos que apresentam baixo Índice Terapêutico, como o lítio, digoxina, digitoxina, varfarina e dicumarol, podem apresentar toxicidade relevante, quando associados a inúmeros antimicrobianos, devido à elevação das suas concentrações plasmáticas.

Como precaução, é aconselhável que seja feita a monitorizarão da concentração dos níveis sanguíneos destes fármacos em indivíduos que necessitam da terapia concomitante com os antimicrobianos, para que, se necessário, seja feito o ajuste da dose, com a finalidade de se evitarem os efeitos tóxicos decorrentes da associação.

A prescrição de metronidazol em usuários crônicos de álcool pode resultar em uma interação severa. O CD deve orientar o paciente a abster-se do uso de álcool durante o tratamento com este antimicrobiano, e, em situações nas quais isso não seja possível, o CD deverá evitar o uso desse antimicrobiano. Para pacientes que fazem uso do anticoncepcional e necessitam da terapia antimicrobiana, é responsabilidade do CD orientar sobre a necessidade da utilização de métodos contraceptivos adicionais durante o tratamento com o antimicrobiano.

 

Considerações Finais

Os fármacos analgésicos, anti-inflamatórios e antimicrobianos utilizados em odontologia são considerados seguros, quando utilizados em posologias e tempos adequados. Além disso, em algumas situações, estes fármacos são utilizados em dose única, e, dessa forma, espera-se menor possibilidade da ocorrência de interações medicamentosas.

No entanto, é de responsabilidade do cirurgião dentista conhecer as possíveis interações que podem ocorrer com esses fármacos e o potencial risco dessas associações, a fim de que possa evitar sérias complicações durante o tratamento odontológico.

 

Fonte: Referente artigo publicado na Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac, 2007

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