Introdução
Os antibióticos são frequentemente prescritos como tratamento adjunto de infecções endodônticas, apesar de em muitas situações o seu uso ser questionável.
Existe uma grande preocupação, pois algumas bactérias já possuem aumentada resistência aos antibióticos rotineiramente prescritos. Além disso, a antibioticoterapia oferece alguns riscos como toxicidade e efeitos colaterais que podem causar consequências sérias e até fatais. Apesar de a terapia antibiótica ser necessária somente em 20% dos indivíduos com doenças infecciosas de origem endodôntica, ela é prescrita em 80% dos casos, e como se não bastasse, em 50% deles, a indicação, dose ou duração da terapia estão incorretos.
Neste contexto surgem várias dúvidas bastante frequentes no dia-a-dia dos consultórios odon- tológicos: situações clínicas em que os antibióticos devem ser prescritos e quais antibióticos indicar em caso de alergia à penicilina.
Este julgamento atinge maiores proporções, pois o abcesso normalmente envolve dor e com- prometimento do indivíduo no convívio social, em termos de dias de trabalho perdidos e diminuição da qualidade de vida. A intervenção deve ser imediata com a finalidade de devolver o bem estar do paciente e impedir o agravamento do quadro.
O propósito deste estudo foi abordar as situações clínicas em que ocorre a necessidade de administração de antibióticos, parte do arsenal terapêutico disponível, suas limitações atuais (re- sistência bacteriana) e indicação em caso de alergia às penicilinas.
Revisão da Literatura
Etiologia e principais características do abcesso
O abcesso periapical agudo (APA) é uma resposta inflamatória dos tecidos periapicais frente a uma agressão microbiológica causada por cárie ou trauma dental. Caracteriza-se por pronunciado edema dos tecidos moles, mobilidade, extrusão dental e dor espontânea de alta intensidade, contínua e localizada.
Uma vez que a infecção se difunde além do alvéolo dental, pode tornar-se restrita ao ápice ou continuar a se difundir através do osso e tecidos moles como um abcesso difuso ou celulite. Se não tratado a tempo, pode alcançar a circulação sanguínea, resultando em complicações sistêmicas como febre, linfadenopatia e mal-estar. Ao se estender além dos limites dos planos teciduais anatômicos, pode se disseminar rapidamente para áreas adjacentes (espaço submandibular, massetérico, infra-orbitário, bucal e submandibular) podendo causar sérios prejuízos à saúde do paciente. Em caso de espalhamento bilateral pelo espaço sublingual e submandibular, pode ocorrer angina de Ludwig e, muitas vezes, é necessária a traqueostomia emergencial devido à obstrução aguda das vias aéreas.
Portanto, diante do tratamento do abcesso periapical agudo, é preciso estar atento à somatória desses critérios de alarme (celulite rápida progressiva, dispnéia, disfagia, espalhamento aos espaços faciais profundos, febre superior a 38o C, trismo intenso, impossibilidade de o paciente seguir o tratamento prescrito por si só, fracasso do tratamento inicial, debilidade geral grave, pacientes imunocomprometidos), os quais indicam a necessidade de internação hospitalar urgente.
BROOK et al.(1991) realizou um estudo em 32 pacientes com abcesso periapical obtendo 78 isolados bacterianos (55 anaeróbios e 23 aeróbios) com uma média de 2,4 isolados por amostra. A presença exclusiva de bactéria anaeróbia estava presente em 16 pacientes (50%), exclusiva de aeróbias em 2 (6%) e a f lora mista aeróbia e anaeróbia em 14 (44%).
As bactérias predominantes foram dos gêneros Peptostreptococcus, Prevotella e Porphyromonas.
TORTAMANO; ANTONIAZZI22 (2007) verificaram a microbiota presente em 9 canais radiculares de dentes por tadores de abcesso periapical agudo. A flora estritamente anaeróbia esteve presente em 2 pacientes e a mista, anaeróbia e aeróbia, em 7. Foram isolados dentre os anaeróbios; Peptostreptococcus anaerobius, Prevotella intermídia, Peptococcus anaerobius, Peptostreptococcus sp, Prevotella oralis, e dentre os aeróbios; Streptococcus sp tipo viridans, Streptococcus mitis, Streptococcus oralis, Gemella morbilorum, Staphylococcus aureus e Neisseria sicca.
Necessidade da antibioticoterapia
Wynn24, et al. (2001) afirmaram que o organismo saudável é suficientemente potente para localizar a infecção no seu lugar de origem, e a retirada do agente infectante se constitui na tera- pia definitiva. MATTHEWS17 et al. (2003) concluíram que existe evidência científica de que os abcessos deveriam ser tratados por meio da drenagem através do conduto radicular ou através de incisão. Portanto, autores como FALACE; DONALD 10 (1998), SIQUEIRA 19 (2002), LONGMAN15 et al. (2000) concordam que a terapia antibiótica não é necessária quando se conseguiu a remoção do agente agressor. Aliado a este fato há evidências de que os antibióticos não podem alcançar e eliminar os microrganismos presentes nos sistemas de canais radiculares por causa da ausência de circulação sanguínea dentro da polpa necrótica e infectada e deste modo a fonte de infecção não é acessada pela terapia antibiótica sistêmica.
Entretanto, existem algumas situações em que o seu uso está indicado, mas sempre como coadjuvante com a inter venção clínica:
1 - Sinais de disseminação do processo infeccioso como linfonodos palpáveis, celulite, trismo, dispnéia (comprometimento da passagem de ar) e / ou sinais de ordem sistêmica tais como febre, disfagia (falta de apetite), mal estar;
2 - Pacientes com comprometimento dos mecanismos de defesa, como leucemia, agranulocitose, diabetes mellitus descompensada, doença de Addison, síndrome da imunodeficiência adquirida e leucopenia.
Importante é salientar que se a adequada drenagem não for estabelecida por nenhuma via, e somente se realizará o tratamento de urgência (sem a realização do tratamento endodôntico imediatamente após este procedimento) e sendo o paciente saudável e sem sinais de agravamento da infecção (sinais locais de disseminação do processo infeccioso ou sinais de ordem sistêmica); não há necessidade de antibioticoterapia. A conduta nestes casos será através de fisioterapia com calor na tentativa de facilitar a drenagem do abcesso. Caso se prescrevesse o antibiótico nesta situação, a drenagem posterior poderia ficar prejudicada e o abcesso nem evoluiria e nem regrediria, prolongando este estágio.
Arsenal terapêutico disponível
O antibiótico ideal para tratar uma infecção deve reunir uma série de características como: atividade frente aos microorganismos implicados no processo infeccioso; adequados parâmetros farmacocinéticos (boa penetração e difusão no lugar da infecção); boa tolerância e poucos efeitos adversos e uma posologia que possa facilitar o tratamento. Já a duração do tratamento antibiótico depende do tipo da infecção, da extensão do processo infeccioso e do antibiótico escolhido. A duração da antibioticoterapia, geralmen- te, oscila entre 5 a 10 dias, devendo ser prolongado por 3 a 4 dias depois do desaparecimento das manifestações clínicas. As infecções orofaciais agudas têm um rápido início e uma duração de 2 a 7 dias e uma resposta favorável deve ser alcançada 48 horas após o início da terapia antibiótica e a dosagem mantida por mais 3 dias depois que os sintomas sistêmicos se forem, portanto deve ser prescrito no período de 5 a 7 dias.
Nos casos específicos em que a antibioticoterapia está indicada, seu objetivo é auxiliar as defesas do hospedeiro em controlar e eliminar os microorganismos que temporariamente contiveram os mecanismos de defesa do hospedeiro sendo considerados adjuntos da terapia endodôntica.
Por causa da inviabilidade clínica de se realizar o teste de susceptibilidade para identificação precisa da bactéria a ser combatid , a seleção de um antimicrobiano depende do conhecimento da microbiota infectante, tipo de atividade antimicrobiana das drogas disponíveis e sua segurança relativa.
Segundo MARTINEZ16 et al. (2004) dentre os antibióticos sistêmicos utilizados para as infecções odontogênicas destacam-se a amoxicilina, a amoxicilina adicionada ao ácido clavulânico, as cefalosporinas, doxicilina, metronidazol, clindamicina e os macrolídeos; como a eritromicina, claritromicina e azitromicina.
Muitos autores concordam que o grupo das penicilinas é a melhor alternativa, por ser efetiva contra a maioria das bactérias facultativas, estritamente anaeróbicas e estreptococos, comumente encontradas nas infecções endodônticas, possuindo baixa toxicidade, preço acessível, ação bactericida e causar poucos efeitos colaterais, sendo a alergia a sua maior desvantagem. No entanto, deve-se lembrar que algumas espécies de bactérias (especialmente as anaeróbias gram-negativas) têm tornado- se resistentes às penicilinas.
Dentro do grupo das penicilinas temos a fenoximetilpenicilina potássica (Pen V Oral®) que é indicada por autores como, por ainda ser efetiva contra muitas das bactérias isoladas em infecções endodônticas.
Já a amoxicilina é recomendada pela American Heart Association desde 1991, e recentemente no último protocolo estabelecido pela American Heart Association ela é mantida, pois além de possuir maior espectro para bactérias gram negativas que a penicilina V, possui maiores taxas de absorção e níveis séricos mais altos o que melhora a sua penetração em áreas como tecido ósseo. Também a amoxicilina possibilita menos administrações diárias. Deve-se lembrar, que a resistência bacteriana as penicilinas V é maior que as amoxicilinas.
Há também rela tiva indicação para as cefalosporinas. Este grupo de medicamentos está intimamente relacionado às penicilinas, sendo que o núcleo molecular é muito semelhante ao ácido 6-aminopenicilâmico apresentando o mesmo mecanismo de ação. Possui uma reação cruzada de 5 a 10% com os pacientes alérgicos a penicilina além de oferecem nefrotoxicidade. Apesar de também serem bactericidas e possuírem um espectro de ação um pouco mais amplo não são específicas contra as bactérias envolvidas nas infecções odontológicas, devendo ser reservadas para as infecções de maior gravidade e em ambiente hospitalar somente quando os testes de sensibilidade (antibiograma) indicam que são mais eficazes que outros antimicrobianos. Portanto, não se deveria trocar a penicilina pela cefalosporina na área odontológica, por não apresentar nenhuma grande vantagem clínica.
Limitações atuais (resistência bacteriana e superinfecção)
Atualmente a resistência bacteriana aos antibióticos disponíveis chega a uma porcentagem de 5 a 20% nas infecções endodônticas. Algumas bactérias anaeróbias (Prevotella,Prophyromonas, Fusobacteriumnucleatum e Campylobacter gracilus) podem produzir a enzima beta-lactamase, capazes de quebrar o anel betalactâmico das penicilinas e das cefalosporinas inativando estes medicamentos.
Em um recente estudo realizado por BAUMGARTNER; XIA3, no qual avaliou a resistência bacteriana de 98 espécies diferentes de bactérias retiradas de 12 abcessos endodônticos diferentes, verificou que a penicilina V possui 85% de susceptibilidade para as bactérias testadas, a amoxicilina 91%, a amoxicilina + clavulonato de potássio 100% e a clindamicina
96%. O metronidazol quando utilizado em combinação com a penicilina V ou amoxicilina possui93 a 99%.
Devido ao aumento da prevalência de microorganismos produtores de betalactamases, a associação de uma penicilina com um inibidor de betalactamase como amoxicilina + ácido clavu- lânico tem sido o tratamento de eleição em um grande número de infecções.
O aumento obser vado nos últimos anos nos níveis de resistência de algumas espécies de estreptococos orais faz-se recomendável a utilização de altas doses de amoxicilina para o trata- mento das infecções em que esses patógenos podem estar implicados. Nesse sentido tem se utilizado uma nova formulação que à base de amoxicilina + ácido clavulânico.
Outra limitação ao uso dos antibióticos está relacionada à superinfecção já que o aumento do desenvolvimento de espécies multirresistentes tem resultado no reaparecimento de doenças que se julgava estar sob controle, e na persistência de processos infecciosos diante da terapia com antibióticos que sempre foi efetiva em tratar a mesma doença no passado. Os pacientes infectados com microorganismos multirresistentes, sofrem aumentada morbidade e mortalidade.