Autor Victor Hugo Cardoso - 10/03/2015
TÍTULO ANTIDEPRESSIVOS E ANESTÉSICOS LOCAIS: INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DE INTERESSE ODONTOLÓGICO - PARTE 2/2

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Continuação - parte 2/2

No caso das catecolaminas (AD e NA), é observada uma elevação da frequência cardíaca e da pressão arterial, o que causa palpitações e dor torácica, além de ser comuns também agitação e apreensão . O próprio procedimento odontológico gera, para a maioria dos pacientes, uma situação de estresse que por si só pode resultar em elevação da pressão arterial e aumento dos batimentos cardíacos, por meio da elevação dos níveis de AD.
Por esses motivos, existe uma limitação no uso de anestésicos locais com vasoconstritores como AD e NA em indivíduos cardiopatas. Por outro lado, Palma et al. (2005) verificaram uma elevação da pressão arterial em pacientes normotensos anestesiados com lidocaína 2% sem vasoconstritor, enquanto pacientes normotensos ou hipertensos apresentaram estabilidade da pressão arterial após anestesia com lidocaína 3% com noradrenalina 1:50.000 depois de procedimento de exodontia. Como a lidocaína sem vasoconstritor tem um tempo de duração da anestesia menor do que em associação com o vasoconstritor, o grupo que recebeu lidocaína sem vasoconstritor pode ter sentido dor ao longo do procedimento odontológico, e é provável que essa situação de estresse tenha aumentado a liberação endógena de adrenalina e consequentemente causado a elevação da pressão arterial.
Em uma pesquisa pré-clínica, Salles et al. (1999) não viram alteração da pressão arterial de ratos normotensos ou hipertensos posteriormente à administração de diferentes anestésicos associados aos vasoconstritores adrenalina, noradrenalina, fenilefrina e felipressina.
Elevação na concentração plasmática de AD e NA foi observada por Takahashi et al. em pacientes que receberam lidocaína 2% com adição de 50 µg de AD como vasoconstritor. Considerando que um tubete de anestésico de 1,8 ml com vasoconstritor a 1:50.000 contém 36 µg do vasoconstritor, seria necessário um tubete e meio para atingir a concentração que provocou aumento plasmático de catecolaminas.
A seguir aparecem listadas as principais soluções anestésicas locais, com os respectivos vasoconstritores e as marcas comerciais utilizadas no Brasil.


Tabela I – Principais soluções anestésicas disponíveis no Brasil


Anestésico                            Vasoconstritor                      Nome Comercial

                                            Adrenalina                          Alphacaine®

Lidocaína                               Noradrenalina                      Xilocaína®, Xylestesin®

                                            Fenilefrina                           Biocaína®, Novocol®

                                            Sem Vasoconstritor               Citanest®, Citocaína®, Biopressin® 

 

Prilocaína                               Felipressina                        Citanest®, Citocaína®, Biopressin®

 

                                            Adrenalina/noradrenalina      Scandicaíne®, Mepiadre®, Mepinor®,                                                            

                                                                                    Mepivalem AD®

                                                                                     

Mepivacaína                            Sem vasoconstritor              Mepivalem SV®, Mepisv®,              

 

 

                                                                                     Scandicaine®, Mepivacaina®


                                             Levonordefrina                     Carbocaíne®


Bupivacaína                             Adrenalina                           Neocaína®
                                              
                                             Sem vasoconstritor    

  

Antidepressivos


Os antidepressivos são classificados de acordo com o seu mecanismo de ação em inibidores da recaptação de monoa minas, em inibidores da monoamina oxidase (MAO) e em outros mecanismos (como por exemplo antagonistas dos receptores serotoninérgicos 5 HT2).
Os inibidores da recaptação de monoaminas atuam por competirem pelo sítio de ligação na proteína de transporte que faz a recaptação das monoaminas pelos terminais nervosos, aumentando assim as monoaminas na fenda sináptica. Essa inibição na recaptação pode ser seletiva para a serotonina e para a noradrenalina ou ocorrer para mais de uma monoamina (não seletiva), como para a serotonina e a noradrenalina ou ainda a noradrenalina e a dopamina. Entre esses antidepressivos existem os chamados tricíclicos, assim denominados por conta de sua estrutura química.
Além da atividade de inibir a recaptação de monoaminas, os antidepressivos tricíclicos operam também em outros sistemas, o que causa seus efeitos colaterais, como xerostomia, constipação, visão turva, taquicardia e palpitação, em função das suas ações antimuscarínicas; fraqueza, sedação, aumento do apetite e fadiga, por bloqueio dos receptores histaminérgicos H1; e ainda hipotensão ortostática, por impedirem receptores adrenérgicos α1. Para os antidepressivos mais modernos, como os inibidores da recaptação de serotonina, tais efeitos são mais brandos.
O conhecimento do mecanismo de ação dos antidepressivos é importante, pois teoricamente a interação com vasoconstritores não ocorreria com os antidepressivos que inibem a recaptação de serotonina. A tabela II apresenta os antidepressivos pertencentes a essa classificação conforme seu mecanismo de ação e alguns nomes comerciais.
A inibição da M AO, uma enzima presente no interior das células que faz a degradação das monoaminas, provoca o aumento da concentração citoplasmática das monoaminas. Os primeiros inibidores da M AO desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970, como a iproniazida, inibiam a enzima MAO de forma irreversível. Atualmente, porém, inibidores reversíveis da M AO-A, como a moclobemida, têm sido usados com reduzidos efeitos colaterais.


Tabela II – Antidepressivos inibidores da recaptação de monoaminas


Monoamina                         Antidepressivo                                    Nome Comercial

                                   Fluoxetina                     Prozac, Verotina, Daforin, Fluxene, Deprax

                                                                       Depress, Eufor, Fluox, Prozen, Psiquial, Zyfloxin

                                   Sertralina                       Cipramil, Procimax, Denyl, Citta, Maxapran

                                                                       Alcytam, Maxapran, Zoxipan, Zycitapran

Serotonina                    Escitalopram                   Lexapro, Exodus

                                   

                                   Clomipramina                Anafranil, Fenatil, Clomipran, Clo                           


Noradrenalina                Reboxetina                     Prolift

                                    Nortriptilina                 Pamelor, Nortrip


                                    Venlafaxina                     Efexor, Venlift, Venlaxin Pristic, Novidat, Alenthus

Serotonina/                   Imipramina                       Tofranil, Depramina, Mepramin, Uni Imiprax

Noradrenalina                Amitriptilina                      Tryptanol, Amytril

                                   Duloxetina                         Cymbalta

 

Noradrenalina/              Bupropiona                        Zyban, Wellbutrin, Zetron, Bup

Dopamina

 

Obs.: Os antidepressivos em itálico também são chamados de antidepressivos tricíclicos, por conta de sua estrutura química.

Interação entre vasoconstritores e antidepressivos


A interação medicamentosa ocorre quando dois ou mais medicamentos administrados ao paciente interferem entre si. Isso causa potencialização ou abolição do efeito terapêutico de um ou mais dos medicamentos ingeridos pelo indivíduo, resultando na maioria dos casos em efeitos adversos, que podem ser de grau leve, moderado ou grave, ou ainda levar a óbito.
O cirurgião-dentista deve tomar conhecimento dos medicamentos utilizados por seus pacientes por meio de uma det a lhada a na mnese, v isto que os antidepressivos também são empregados para outras finalidades que não o tratamento da depressão, como, por exemplo, para o tratamento de anorexia nervosa, ansiedade, pânico, bulimia, déficit de atenção/hiperatividade, transtorno obsessivo compulsivo, estresse pós-traumático, enxaqueca e dor crônica.
Quando o anestésico local com vasoconstritor do grupo das catecolaminas é administrado em grande quantidade ou no caso de uma injeção intravascular acidental, é possível ocorrer elevação na concentração das catecolaminas plasmáticas, que pode resultar em efeitos colaterais potencializados em pacientes que fazem uso de certos antidepressivos atuantes no aumento dos níveis extracelulares de catecolaminas.
Em usuários de tricíclicos, os efeitos colaterais sobre o sistema cardiovascular, como elevação da pressão arterial e arritmias cardíacas, são possivelmente potencializados pela administração em altas doses ou por injeção intravascular acidental de vasoconstritores como AD, NA ou fenilefrina. Um estudo em voluntários saudáveis que ingeriram imipramina por cinco dias demonstrou elevação da pressão arterial após injeção intravenosa de adrenalina, fenilefrina e noradrenalina, e o efeito da NA foi maior que o dos outros dois vasoconstritores. Além disso, arritmia cardíaca foi observada nos indivíduos que receberam AD.
Em uma revisão de 15 casos de reação adversa a anestésico local com NA como vasoconstritor, cinco ocorreram em pessoas em tratamento com antidepressivos tricíclicos . Essa potencialização seria maior com a noradrenalina do que com a adrenalina ou a fenilefrina. Em um estudo realizado em cães, notou-se que a interação entre o antidepressivo tricíclico desipramina e o anestésico lidocaína com NA aumentou os batimentos cardíacos e a pressão arterial sistólica, porém quando o vasoconstritor NA foi substituído pela AD o efeito cardiovascular se mostrou menor. A interação entre prilocaína 3% e felipressina não apresentou efeitos cardiovasculares significantes. Logo, o uso de felipressina como vasoconstritor seria uma escolha mais segura para usuários de tricíclicos , embora ela não seja tão eficaz e não tenha o mesmo efeito de hemostasia da AD.
O emprego de anestésico com adrenalina deve ser mínimo, na concentração máxima de 1:100.000 e em torno de 1/3 da dose máxima recomendada, enquanto a administração de noradrenalina e de levonordefrina tem de ser evitada em indivíduos que tomam antidepressivos tricíclicos.
Anestésicos locais como a mepivacaína e a prilocaína contêm um efeito vasodilatador reduzido em comparação com a lidocaína e a procaína. Aquelas são uma opção de anestésico sem vasoconstritor possível de ser usada em procedimentos de curta duração.
Conclui-se que a interação de tricíclicos e vasoconstritores adrenérgicos pode ser perigosa e resultar em efeitos graves para o paciente. Portanto, o uso desses vasoconstritores precisa ser evitado quando possível ou feito de maneira cautelosa em tais indivíduos.
No caso dos inibidores da captação de serotonina, teoricamente os vasoconstritores não aumentariam os efeitos colaterais, como no caso dos tricíclicos. Porém i n ibidores da capt ação de seroton i na são capazes de inibir enzimas que participam da metabolização de várias drogas, entre elas a lidocaína, podendo assim prejudicar o metabolismo da lidocaína e elevar seu potencial tóxico.
As catecolaminas exógenas administradas como vasoconstritores são degradadas principalmente por outra enzima, a catecol-O-metiltransferase (COMT), e não sofrem influência da inibição da MAO. Apenas o vasoconstritor fenilefrina é contraindicado em pacientes que fazem uso de inibidores da MAO, por ser metabolizado por essa enzima. A literatura sobre efeitos colaterais da interação dos inibidores da M AO e de vasoconst ritores simpatomiméticos traz resultados controversos, embora existam alguns relatos de reações adversas quanto a tal combinação, como crise hipertensiva e arritmia cardíaca.
Muitos autores não consideram essa interação perigosa e defendem que vasoconstritores podem ser administrados em pacientes que usam inibidores da MAO. Brown e Rhodus (2005) [6] afirmaram que não há constatação sólida que suporte a interação entre vasoconstritores dos anestésicos locais e os inibidores da MAO, bem como com antidepressivos tricíclicos. Boakes et al. (1973), por exemplo, trataram voluntários saudáveis por uma semana com os inibidores da MAO fenelzina e tranilcipromina e observaram apenas potencialização dos efeitos sobre a pressão arterial após a infusão intravenosa de fenilefrina e não alteração cardiovascular após infusão de AD ou NA. Entretanto estudos mais recentes no que diz respeito a essa interação são necessários para testar os novos inibidores da MAO que estão sendo usados atualmente, como a moclobemida.
Nem sempre esses efeitos adversos são verificados na clínica odontológica, pois a condição cardiovascular do paciente raramente é monitorada dura nte o trata mento. Logo, em a lguns casos elevação da pressão arterial ou arritmias cardíacas não são percebidas de maneira clara, podendo ser ainda confundidas com uma resposta de estresse ou ansiedade ao tratamento. Ainda, há a sugestão de que essa interação resulte em efeitos adversos mais evidentes se o paciente estiver em início de tratamento com tricíclicos, porque o uso prolongado do antidepressivo poderia dessensibilizar a resposta ao vasoconstritor adrenérgico.
Conclusão
Ex istem poucos relatos de complicações sérias por interação de vasoconstritores com antidepressivos. Portanto, o cirurgião-dentista deve realizar uma minuciosa anamnese para obter má ximo conhecimento da história médica dos pacientes, além de procurar conhecer o mecanismo de ação e os efeitos colaterais dos medicamentos ingeridos, bem como os anestésicos locais de uso odontológico. Desse modo, os efeitos adversos potencialmente prejudiciais ao paciente decorrentes de uma interação medicamentosa podem ser evitados, proporcionando um atendimento odontológico mais seguro. A técnica de anestesia local correta permite o uso de uma dose segura da solução anestésica e o efetivo controle da dor durante o atendimento odontológ ico de usuá rios de a nt idepressivos. Também é importante conhecer o grau de ansiedade do indivíduo em relação ao atendimento odontológico e dessa maneira trabalhar em prol da redução dessa ansiedade.
Poucos são os estudos clínicos e pré-clínicos sobre os efeitos colaterais da interaç ão dos vasoconstritores com antidepressivos. Pesquisas atuais e bem delineadas são necessárias para o melhor conhecimento do assunto, já que a maioria das investigações a respeito desse tema foi realizada entre as décadas de 1960 e 1980, e desde então muitas drogas antidepressivas novas, com diferentes mecanismos de ação, foram lançadas no mercado e estão sendo usadas atualmente.
Concluindo, a utilização de anestésicos locais associados a vasoconstritores simpatomiméticos (adrenalina, noradrenalina e fenilefrina) tem de ser feita lentamente e com aspiração prévia, para prevenir uma administração intravascular em pacientes que recorrem a antidepressivos, principalmente tricíclicos ou inibidores da MAO, e uma possível situação de emergência na clínica odontológica.

Fonte: 

Chioca LR, Segura RCF, Andreatini R, Losso EM. Antidepressivos e anestésicos locais: interações medicamentosas de interesse odontológico. Rev Sul-Bras Odontol. 2010 Oct-Dec;7(4):466-73.

 

 

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